quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Restaurar e sensibilizar para o património cultural - Capela de Sant’ Anna, de Vargos, de cara lavada! in Torrejano 02 Janeiro 2009


A fachada da Capela da Senhora Sant’ Anna, em Vargos, está desde Junho com uma nova roupagem. Ao longo de 11 meses, alunos do curso de Conservação e Restauro, do Instituto Politécnico de Tomar (IPT) intervieram naquele edifício no âmbito de um estágio curricular de licenciatura de 5.º ano daquele curso.
A capela, para quem não conhece, faz parte de um conjunto de edifícios da Casa dos Vargos (casa de turismo de habitação), e apesar de ser património privado, tem utilidade pública, uma vez que aí ocorrem celebrações e outras iniciativas de cariz religioso.
Os trabalhos, realizados por cinco alunos do IPT e uma aluna italiana licenciada em recuperação de edifícios, consistiram na execução de desinfestações e limpeza de microorganismos e plantas, abertura de juntas, remoção das argamassas degradadas, reposição com novas argamassas e refechamento de juntas. Foram ainda concebidas reconstituições volumétricas em algumas zonas e foram ainda feitos desvios das águas das chuvas, com o intuito de que estas escorram para fora da fachada. Pontualmente foram ainda feitas algumas consolidações da pedra, em locais em que esta estava muito degradada.
A intervenção na capela teve um trabalho de retaguarda muito minucioso, já que grande parte do tempo foi passado em laboratório ”O que é interessante neste trabalho é que houve um estudo preparatório por parte dos alunos, com vista ao ensaio de todos os materiais presentes na fachada”, referiu ao JT Fernando Costa, o professor orientador dos alunos que devolveram ao edifício uma nova beleza.
Os ensaios realizados por parte dos estudantes foram feitos em laboratório, no sentido de serem obtidas as melhores respostas que pudessem ajudar na intervenção. Nos cerca de onze meses que os alunos estiveram a trabalhar na requalificação da capela dos Vargos, parte do tempo foi passado nos laboratórios de engenharia civil e de conservação e restauro do IPT, onde foram feitos testes de análise dos diferentes materiais, e onde foram identificados todos os problemas. A intervenção, no terreno, não durou mais do que três meses.
Os trabalhos preparatórios foram antecedidos de uma sessão pública de esclarecimento, em que os alunos explicaram às pessoas o que iria ser feito no ”seu” patrimóni ”Este é também o papel de um conservador/restaurador e é objectivamente o papel de uma escola. É, no fundo, sensibilizar para o património, uma vez que o curso tem que ver com a intervenção no património edificado”, continuou o docente. ”As pessoas perceberam o que ia ser feito e esta é também uma forma dos técnicos chegarem bem às pessoas e das pessoas saberem quem vai fazer o quê”, concluiu.
No final da obra, os alunos, na qualidade de restauradores, prestaram contas, novamente numa sessão pública, realizada no passado dia 2 de Novembro, perante uma sala cheia. Motivados com a intervenção realizada, a população, que ficou satisfeita, decidiu por unanimidade iniciar uma recolha de fundos para intervenção no telhado que está em mau estado de conservaçã ”No fundo o que é interessante de ver é que a nossa intervenção acabou por ser um catalisador da vontade da própria população em recuperar a capela,” reconheceu Fernando Costa.
O trabalho dos alunos estendeu-se ainda à zona interior da capela, nomeadamente em três abobadas, por baixo do coro alto. No pátio da casa de turismo rural foram também realizados trabalhos de limpeza e restauro numa escadaria exterior.
Nestas coisas do património degradado, e tendo presente que existem diferentes níveis de degradação, são os agentes naturais os principais causadores do desgaste que os edifícios, neste caso, evidenciam. A falta de manutenção é outro factor importante que tem que ser referenciado, e resulta por um lado da insensibilidade que muitas vezes existe para a preservação do património, e por outro, devido aos enormes encargos que representam as obras de intervenção e restauro. Mais do que insensibilidade, é na maioria das vezes a falta de capital o factor que constitui um entrave à realização das mesmas, sobretudo quando o que está em causa é património privado.
A forma como foi feito o trabalho na capela dos Vargos é assim um modelo que interessa a todas as partes: à Casa dos Vargos, à população, Câmara Municipal (que cedeu os andaimes necessários à intervenção) e ao IPT: ”O Instituto Politécnico de Tomar porque teve hipótese de formar melhor os seus alunos, já que teve a oportunidade de intervir em obra real, com um nível de responsabilidade acrescida. A Casa dos Vargos, que viu um património que é particular recuperad se tivesse que investir provavelmente não o poderia fazer devido aos custos que isso acarretava. A população, que pode agora usufruir melhor de um bem que é seu, do ponto de vista religioso. E a própria Câmara Municipal também sai a ganhar. Acho que é um projecto em que as quatro partes envolvidas saíram a ganhar, e isso são coisas que não acontecem todos os dias, porque quando se envolvem várias entidades, algumas ganham outras perdem, e penso que aqui lucrámos todos”, concluiu o docente.
Este trabalho pode ser um exemplo para lançar este tipo de parceiras pela região, e permitir intervenção em património edificado. O curso tem uma forte componente prática e esta forma de trabalho é tida como a melhor das oportunidades para desenvolver conhecimentos, porque acresce a responsabilidade do aluno na intervenção que faz. Trabalhar em obras simuladas nos laboratórios não é igual, uma vez que a motivação não é a mesma. No trabalho efectuado não houve lugar a compensações financeiras. A Câmara de Torres Novas cedeu os andaimes, o IPT a mão-de-obra, e Pilar Tamagnini, proprietária da capela, os materiais.

Por: Élio Batista